quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O povo da caverna

Há muito tempo atrás, ou talvez não muito tempo assim, havia uma tribo em uma caverna fria e escura. Os habitantes da caverna se apertavam e gritavam contra o frio. Eles se lamentavam em voz alta e demoradamente. Era só isso que faziam. Era tudo o que sabiam fazer. Os sons na caverna era tristes, mas as pessoas não sabiam disso, porque nunca tinham conhecido a vida.
Mas, então, um dia eles ouviram uma voz diferente. “Eu ouvi seu choro” ela disse. “Eu senti seu frio e vi as suas trevas. Eu vim para ajudar”.
Os habitantes da caverna permaneceram em silêncio. Eles nunca tinham ouvida esta voz. A esperança soava estranho aos seus ouvidos. “Como é que vamos saber que você veio ajudar?”
“Confiem em mim”, ele respondeu. “Eu tenho o que vocês precisam”.
O povo da caverna examinou no escuro até a figura do estranho. Ele estava empilhando alguma coisa, então curvava-se e empilhava mais.
“O que você está fazendo?”, alguém gritou, nervoso.
O estranho não respondeu.
“O que você está fazendo?”, gritou alguém em voz ainda mais alta.
Nenhuma resposta ainda.
“Diga-nos”, exigiu um terceiro.
O visitante ficou em pé e falou na direção das vozes: “Eu tenho o que vocês precisam”. Com isso ele virou-se para a pilha a seus pés e acendeu-a. A madeira pegou fogo, chamas levantaram-se e a luz encheu a caverna.
O povo da caverna afastou-se com medo. “Ponha isso para fora”, gritaram.
“Dói olhar para isso”.
“A luz sempre dói antes de ajudar”, ele respondeu. “Cheguem mais perto. A dor logo vai passar”.
“Eu não”, declarou uma voz.
“Nem eu”, concordou uma segunda.
“Só um tolo iria se arriscar a expor seus olhos a uma luz assim”.
O estranho chegou perto do fogo. “Vocês prefeririam a escuridão? Prefeririam o frio? Não consultem seus temores. Dêem um passo de fé.

Por um bom tempo ninguém falou. As pessoas pairavam em grupos cobrindo os olhos. O fazedor de fogo ficou de pé próximo do fogo. “Está quente aqui”, convidou.
“Ele está certo”, alguém atrás dele anunciou. “Está mais quente”. O estranho virou-se e viu um vulto caminhando em direção ao fogo. “Eu consigo abrir meus olhos agora”, ela proclamou. “Eu consigo ver”.
“Chegue mais perto”, convidou o fazedor de fogo.
Ela chegou. Ela caminhou para o anel de luz. “Está tão quente!” Ela estendeu as mãos e suspirou quando o frio começou a passar.
“Venham, todos! Sintam o calor”, ela convidou.
“Quieta, mulher”, gritou um dos habitantes da caverna. “Vai ousar nos arrastar para a sua tolice? Deixe-nos e leve sua luz com você”.
Ela virou-se para o estranho. “Por que eles não virão?”
“Eles escolhem o frio, porque embora é frio, é o que eles conhecem. Eles preferem ficar com frio do que mudar.”
“E viver no escuro?”
“E viver no escuro.”
A agora quente mulher ficou em silêncio. Olhando primeiro no escuro e depois no homem.
“Você vai sair do fogo?”, perguntou.
Ela fez uma pausa e então respondeu: “Eu não posso. Eu não consigo suportar o frio.” Então ela falou novamente: “Mas também não posso suportar pensar no meu povo no escuro.
“Você não tem que fazer isso”, ele respondeu, alcançando o fogo e tirando um graveto. “Leve isto para o seu povo. Diga-lhes que a luz está aqui e que a luz é quente. Diga-lhes que a luz é para todos os que quiserem.”
E assim ela pegou a pequena chama e caminhou para dentro das sombras.

Autor: Max Lucado

A morte do púlpito

A igreja evangélica brasileira vive uma tragédia: a morte do púlpito. Nunca na história do protestantismo houve tanto desprezo pela pregação cristocêntrica, preparada com esmero e preocupada com a correta interpretação das Escrituras. O púlpito tem sido substituído pelo altar dos “levitas” ou para os ”sacrifícios” em dinheiro dos mercenários mercantilistas. A “pregação” da Palavra é, hoje, conceituada como qualquer um que sobe na plataforma e começa a falar ou gritar.
Talvez você, lendo esse texto, pense: - “Na minha igreja a pregação é sempre um espaço grande e recebemos visitas de diversos pregadores”. Esse artigo quer alertar que não basta um tempo grande para a pregação e nem que a plataforma esteja cheia de homens engravatados; antes é necessária a avaliação da qualidade dessa pregação. A pregação precisa ser avaliada, assim como fazia os cristãos bereanos, que por sua nobreza, comparam as homilias de Paulo com as Sagradas Escrituras.
Quais são as causas da “morte do púlpito” no evangelicalismo moderno?

A) Espiritualidade em baixa é igual à pregação sem qualidade.

A pobreza das pregações é evidente nesses últimos dias, pois isso é conseqüência direta da pobreza na vida cristã, pois como dizia Arthur Skevington Wood: “Leva-se uma vida inteira para preparar um sermão, porque é necessária uma vida inteira
para preparar um homem de Deus”. Enquanto a espiritualidade da Igreja estiver em baixa, a pregação, por mais espiritual que ela pareça ser, não passará de palavras jogada ao vento. Não basta uma pregação erudita, mas a erudição deve ser acompanhada de contrição, humildade e oração, pois bem escreveu E. M. Bounds: “Dedique-se ao estudo da santidade de vida universal. Sua utilidade depende disso. Seus sermões duram não mais do que uma ou duas horas; sua vida prega a semana inteira.”
Hoje existem muitas igrejas que oram “bastante”, são campanhas atrás de campanhas, mas essas orações não passam de busca “dos próprios deleites” ou de “determinações” de bênçãos. Ora, a oração sem a busca da face de Deus é uma característica do evangelicalismo contemporâneo. Uma igreja que ora errado, logo terá pregadores pobres.

B) A falta de preparo para pregar.

Erudição, esmero e homilética não são inimigos da espiritualidade. Um mito vigente na igreja brasileira é que quem se prepara muito para pregar, terá uma pregação “não ungida”. Isso é mera desculpa de pregador preguiçoso. Você, leitor, já deve ter visto alguém dizer: - “Quando cheguei aqui não sabia o que ia pregar, mas assim que subi nesse altar o Espírito Santo me revelou outra Palavra” ou “Eu não preparo pregação, o Espírito de Deus me revela”… São frases irresponsáveis e brincam com o Espírito Santo, atribuindo a Ele sua preguiça de passar várias horas em estudo e oração para pregar a Palavra.
Hoje, pregar com esboço em papel é quase um pecado em muitas igrejas; alguns olham com “cara feia” para os que levam algo escrito em sua homilia. Será que não sabem que um dos sermões mais impactantes da história, foi literalmente lido pelo pregador. Esse sermão era “Pecadores na mão de um Deus irado”, que Jonathan Edwards pregou em 08 de Julho de 1741 na capela de Enfield. O biógrafo de Edwards, J. Wilbur Chapman , relatou:

Edwards segurava o manuscrito tão perto dos olhos, que os ouvintes não podiam ver-lhe o rosto. Porém, com a continuação da leitura, o grande audi tório ficou abalado. Um homem correu para a frente, cla mando: Sr. Edwards, tenha compaixão! Outros se agarra ram aos bancos, pensando que iam cair no Inferno. Vi as colunas que eles abraçaram para se firmarem, pensando que o Juízo Final havia chegado.[1]

C) Ter uma visão pragmática sobre a pregação.

Para muitos, uma pregação só é válida se houver resultados. As pessoas não querem saber se o conteúdo da pregação é biblico ou herético, mas preferem esperar pelos resultados propagados pelo pregador. A primeira motivação dos pragmáticos é buscar a praticidade, portanto o pragmatismo é casado com o imediatismo, onde tudo tem quer ser aqui e agora.
O conceito de pregação “ungida” é bem pragmática, pois para boa parte da comunidade evangélica, a boa pregação tem que envolver o emocional, nesse contexto nasce frases do tipo “crente que não faz barulho está com defeito de fabricação”. Se não houver choro, gritos, pulos ou outras manifestações “espirituais”, a pregação perde o seu valor para aos cristãos atuais.
Pregadores pragmáticos gostam de ver seus ouvintes interagindo exageradamente no culto. É constante dos pregadores mandarem as pessoas glorificarem e até falar em línguas. Nesses cultos a justificativa para essas ordens é que “quando a glória daIgreja sobe, a glória do céu desce”. Não há respaldo bíblico para esse tipo de pensamento que é passado como algo bíblico. A emoção e as experiências fazem parte da vida cristã, mas não devem normatizar a liturgia ou direcionar os crentes, pois os verdadeiros cristãos tem a Palavra de Deus, e somente Ela, como regra de fé e prática.

D) Pastor-professor X pregador-ator

Eis o dilema existente no evangelicalismo moderno. O pastor-mestre foi substituído pelo pregador-carismático-ator. O mestre que orientava a sua congregação nas Sagradas Letras, sendo um homem de estudos e contemplativo, era característico de piedosos servos de Deus, como Charles Spurgeon, Jonathan Edwards, D. L. Moody etc.
O púlpito tem sido morto pelo estrelismo de pastores-atores, que confundem a plataforma da igreja com um palco para entretenimento, são pessoas que pregam o que a congregação quer ouvir e fazem de seus carismas uma imposição de sua pessoa. Quem estuda a história da igreja, verá que os piedosos servos de Deus, da Reforma as Grande Despertamento do século 18, eram homens de grande interesse pela pregação expositiva, onde o texto fala por si só. A partir do século 19, os sermões são cada vez mais temáticos e os pregadores mais articulados no estrelismo.
O Movimento Pentecostal peca, e gravemente, em não valorizar os sermões bem preparados e articulados, ungidos pelo Espírito Santo, para edificação da congregação. Em uma piedade aparente, muito exaltam a ignorância como virtude, justificando os sermões artificiais, sem profundidade e recheados de chicles, modismos e até heresias.

Autor: Gutierres Siqueira | Teologia Pentecostal


Referência Bibliográfica:

1. BOYER, Orlando. Heróis da Fé. 15 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, p. 03.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Violência - Retrato de uma Sociedade sem Deus

A violência está em toda parte. Não podemos passar um dia sem ouvir uma notícia
sobre atos violentos nos meios de comunicação. Entretanto, mesmo ocorrendo em
nosso país, em nossa cidade, em nosso bairro, a questão pode ficar um pouco
distanciada e acadêmica até que somos vítimas da violência, ou alguém próximo a
nós sofre algum tipo de agressão. Assaltos são cada vez mais comuns, seqüestros
deixaram de ser um pesadelo apenas para os ricos e a violência se agrava muitas
vezes seguida de assassinato. Uma estatística recente, na cidade de São Paulo,
indica que uma em cada duas pessoas já foi assaltada. A impunidade se alastra,
os governos se omitem, o ideal expresso por Paulo, em 1 Tm 2.2, onde ele nos
comissiona a orarmos pelos governantes e autoridades, - para que possamos ter
uma vida “tranqüila e sossegada, em toda a piedade e honestidade”- parece cada
vez mais distante. Os casos a seguir são reais e ocorreram todos com famílias
evangélicas, irmãos nossos, aqui no Brasil:
1.Um pai de família com alguns de seus filhos retornava para a propriedade rural
que possuem em um estado do Norte do Brasil. O veículo é emboscado e atacado a
tiros. Morre o chefe da família e um dos filhos. Deixou a esposa viúva, com
vários filhos e filhas.
2.Outro pai de família de classe média, que reside no estado do Rio de Janeiro,
é seqüestrado e permanece em cativeiro por três semanas, sob constantes ameaças
de morte, até que é libertado, sem o pagamento do resgate. Meses depois, ele e
toda a sua família, permanecem ainda traumatizados com a ocorrência.
3.Um missionário que reside na periferia de uma grande cidade nordestina, tem a
sua propriedade invadida por três homens. Durante quase três horas eles
aterrorizam a família e estupram a sua esposa e a sua filha mais velha, abusando
também da outra filha adolescente.
Qual é a nossa reação e compreensão do problema da violência? O que tem a
Palavra de Deus a dizer sobre o assunto? Qual a responsabilidade dos governantes
e das autoridades? Qual deve ser a postura do servo de Deus, numa era de
violência e criminalidade?
1.A violência é um problema moderno?
No Salmo10, David, seu provável autor, descreve o homem violento da seguinte
forma (vs.6-8):Pois diz lá no seu íntimo: Jamais serei abalado: de geração em
geração nenhum mal me sobrevirá. A boca ele a tem cheia de maldição enganos e
opressão; debaixo da língua, insulto e iniquidade. Põe-se de tocaia nas vilas,
trucida o inocente nos lugares ocultos; seus olhos espreitam o desamparado.
A bravata acompanha a violência, assim como a linguagem desses é cheia de
blasfêmias e maldição. Os atos, entretanto, não refletem a coragem propagada.
Esses são, via de regra, traiçoeiros e ciladas armadas contra os desamparados e
indefesos.
A violência caracterizou o homem desde seus primeiros passos, logo após a queda.
A Palavra de Deus nos relata a história do primeiro homicídio, em Gn 4.1-24. Lá,
tomamos conhecimento como a ira de Caim contra seu irmão, Abel, o levou a
cometer assassinato. Entre os descendentes de Caim, Lameque era violento e
reagiu a agressões sofridas também com assassinatos (Gn. 4.23-24). Aparentemente
Lameque, além de ser violento, alardeava o fato, ou seja, refletia aquela
postura de vida dos ímpios, tantas vezes descrita pelo salmista, que, cheios de
auto-confiança, em vez de se envergonharem dos seus atos, se gloriam na própria
violência. No Salmo 73:6 lemos - “a violência os envolve como um manto”.
Assim, antes do dilúvio, a violência já permeava a terra. Gn. 6.11 diz: “a terra
estava corrompida à vista de Deus, e cheia de violência”. Após o dilúvio, Deus
destruiu Sodoma e Gomorra pela impiedade, violência e imoralidade existentes
naquelas cidades. Em Gn 19.5 lemos que quando os anjos visitaram a Ló, os homens
da cidade procuraram arrombar a casa para arrancarem os dois varões formosos,
para os molestar sexualmente. Mas adiante, ainda no livro de Gênesis, lemos que
Jacó, em suas palavras finais, condenou a violência de dois de seus filhos -
Simeão e Levi, pois utilizaram a espada não para defesa, mas como “instrumentos
de violência” (49.5 e 6) para matarem homens e mutilarem touros.
Abimeleque, filho de Gideão, assassinou seus setenta irmãos, para conservar
sozinho a liderança, após a morte do pai (Ju. 9.24). A violência marcou a vida
de muitos reis de Israel, ao se afastarem dos caminhos de Deus. Violência foi
também, inúmera vezes, praticada contra o povo de Deus, pelos seus inimigos.
Violência maior foi praticada contra o Nosso Senhor Jesus Cristo, torturado,
espancado e pendurado pelas mãos e pés, com pregos, em uma cruz, culminando com
uma morte lenta e dolorosa, por asfixia, sem ter qualquer pecado. Ali ele sofria
violência e punição e morria em substituição aos seus amados que constituem a
sua igreja - aqueles que, pela graça de Deus, o reconhecem como Salvador e
Senhor de suas vidas. Muitos de seus discípulos experimentaram violência, ao
longo de suas vidas, encontrando morte violenta, antes de passarem à glória
eterna. O capítulo da fé, Hebreus 11, fala dos servos fiéis que experimentaram
açoites, escárnios, prisões, torturas e mutilações, ficando necessitados,
aflitos e maltratados.
A violência, portanto, por mais presente que esteja em nossa era, não é um
problema moderno. Temos a tendência de sempre olhar o nosso tempo época como a
pior que já existiu, mas quando lemos os relatos acima, da própria Palavra de
Deus, vemos a violência, imoralidade, crueldade e impiedade sempre presentes no
mundo. Ocorre que ela é uma conseqüência do pecado e sendo assim, a violência
está presente desde a queda de Adão, aparecendo as vezes com maior, outras vezes
com menor intensidade nas diversas épocas da história da humanidade. É verdade
que as pessoas sem Deus encontram, cada vez mais, formas sofisticadas de
exercitar a impiedade, mas lembremo-nos que mesmo que sejamos vítimas de
violência, Deus está presente e reina soberano, executando justiça em seu
próprio tempo. Os problemas que possamos estar atravessando com certeza já
fizeram parte da experiência de outros servos Seus. 1 Co10.13 nos ensina que as
provações a que somos submetidos não são exclusivas à nossa experiência, mas são
humanas, ou seja, comum aos demais homens, e que Deus nos concede a habilidade
de poder suportá-las.
2. Como procurou Deus restringir a violência?
O dilúvio foi um ato de julgamento de Deus contra a violência que campeava a
terra. Foi assim que Deus falou a Noé (Gn. 6.13): “Então disse Deus a Noé:
resolvi dar cabo de toda a carne, porque a terra está cheia de violência dos
homens: eis que os farei perecer com a terra”. Deus atingiu o mal na raiz,
deixando para repovoar a terra apenas a família que lhe era temente. Deus,
portanto, abomina a violência e não é sem razão que o Salmo 34:16 diz, “O rosto
do Senhor está contra os que praticam o mal, para lhes extirpar da terra a
memória.” Os violentos não terão herança com Deus. Ele é contra o que oprime e
extorque (Salmo 35.10). Após o dilúvio, para o controle da violência, Deus
instituiu a pena de morte (Gn 9.6), muito antes da lei civil da nação de Israel.
A Pena de Morte foi instituída por Deus naquela ocasião, portanto, como um dos
freios contra a violência e os assassinatos, fundamentada no fato de que o homem
foi criado à imagem dele próprio. Ela foi comandada a Noé e a seus descendentes,
antes das Leis Civis ou Judiciais, numa inferência de sua aplicabilidade
universal. Foi instituída por Deus e não pelo homem, e ela ocorreu não porque
Deus desse pouca validade à vida do homem, mas exatamente porque Ele considerava
esta vida extremamente importante. Dessa forma, perdia o direito à sua própria
vida qualquer um que ousasse atentar contra a criatura formada à imagem e
semelhança do seu criador. A pena capital está enraizada na Lei Moral de Deus
que seria posteriormente codificada no decálogo. O 6º mandamento, não matarás,
expressa o mesmo princípio da santidade da vida, contido na determinação a Noé.
Essa compreensão também é expressa na Confissão de Fé de Westminster, no seu
capítulo 23 e no Catecismo Maior, nas perguntas e respostas 135 e 136.
A lei civil de Israel fornece solo fértil ao estudo de como Deus aplicou os
princípios de sua lei moral a um povo específico, em uma época específica, com a
finalidade de promoção de seus princípios de justiça. Sabemos que a lei moral é
normativa a todos em todos os tempos e que a lei civil era peculiar à teocracia
de Israel, enquanto que a lei cerimonial ou religiosa apontava e foi
integralmente cumprida em Cristo. Entretanto, mesmo sem ser normativa para nós,
podemos verificar como o sistema de crimes e punições do povo de Israel era
destinado a fazer com que o crime realmente não compensasse e temos muito a
aprender com os registros das Escrituras. Veja esses pontos interessantes, como
exemplos:
1. No povo de Israel não existia a provisão para cadeias, nem como instrumento
de punição nem como meio de reabilitação. A cadeia era apenas um local onde o
criminoso era colocado até que se efetivasse o julgamento devido. Em Números
15.34 lemos: “…e o puseram em guarda; porquanto não estava declarado o que se
lhe devia fazer…”
2. Não encontramos, na Palavra de Deus, o conceito de enclausuramento como
remédio, ou a perspectiva de reabilitação através de longas penas na prisão e,
muito menos, a questão de “proteção da sociedade” através da segregação do
indivíduo que nela não se integra, ou que contra ela age.
3. O princípio que encontramos na Bíblia é o da restituição. Em Levítico 24.21
lemos, “…quem pois matar um animal restitui-lo-á, mas quem matar um homem
assim lhe fará.” A restituição ou retribuição, era sempre proporcional ao crime
cometido.
4. Para casos de roubo, a Lei Civil de Israel prescrevia a restituição múltipla.
Ex 22.4 diz “…se o furto for achado vivo na sua mão, seja boi, seja jumento,
ou ovelha, pagará o dobro.”
Assim Deus estruturou o seu povo com um sistema destinado a refrear a violência
e a criminalidade. Não há sombra de dúvidas que Deus julgará a violência e que
ampara os seus, quando vítimas nas mãos do seu semelhante. O Salmo 11.5 diz, “O
Senhor põe à prova o justo e ao ímpio; mas ao que ama a violência a sua alma o
abomina”. O Salmo 72.13 e 14 registra - “Ele tem piedade do fraco e do
necessitado, e salva a alma aos indigentes. Redime as suas almas da opressão e
da violência, e precioso lhe é o sangue deles”.
3.Qual o papel do estado, no que diz respeito à violência?
O salmo 55.9, que diz, “…vejo violência e contenda na cidade”, parece escrito
nos dias de hoje, e a visão de Ezequiel (7.23) é bem próxima à nossa realidade:
“Faze cadeia, porque a terra está cheia de crimes de sangue, e a cidade cheia de
violência”. O livro de Oséias expressa a dissolução dos costumes e dá a razão
para esse estado de coisas - o afastamento de Deus e de seus princípios de
justiça. Em 4.2, lemos: “O que prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e
adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios”. Porque? Porque
“não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus”(v. 1).
Mas qual o papel do estado, das autoridades, dos governantes no controle da
violência? Ele não pode “converter” as pessoas à força - não está em suas
possibilidades nem faz parte de sua esfera de autoridade.
Mesmo sabendo que o remédio final para a violência é o evangelho salvador de
Cristo, reconhecemos que o estado é o instrumento designado por Deus para
restringir o mal e para regular o relacionamento entre os homens. É pelas
autoridades que o constituem que oramos a Deus para que atinjamos aquele ideal
que nos referimos no princípio: que tenhamos uma vida “tranqüila e sossegada, em
toda a piedade e honestidade” ( 1 Tm 2.2). Ele é a ferramenta que o povo recebeu
de Deus para se manter em paz social.
Não cabem ao indivíduo ações violentas como reações à violência. A manutenção da
lei e da ordem não pertence a um grupo ilegal de “vigilantes” ou “justiceiros”
que massacram indiscriminadamente, sob a cobertura de estarem punindo os
criminosos. O crente não deve apoiar as ações fora da lei, por mais convenientes
que elas pareçam e por mais evidentemente criminosos que sejam os massacrados.
Ele não se gloria na guerra de quadrilhas, nem deve passar pelos seus lábios a
famosa frase: “ladrão bom é ladrão morto”. Mas Deus não quer os cidadãos
indefesos. O estado constituído, os governantes, as autoridades estabelecidas,
em qualquer sistema, são ministros de Deus para aplicação dos princípios de
justiça.
Sabemos que existem governos negligentes e corruptos. Isso sobrevirá como uma
terrível responsabilidade perante aqueles comissionados com a tarefa de
governar, mas o preceito de Deus é que o governo correto deve ser o que louva ao
que faz o bem e o que é vingador para castigar o que pratica o mal. Assim sendo,
não é sem motivo que possui armamentos para tal (”traz a espada”), como lemos em
Rm 13.1-7. Lembremo-nos, também, que Paulo, sob a inspiração do Espírito Santo,
escreveu suas palavras não debaixo de um governo ideal, constituído de
governantes crentes e tementes a Deus, mas sob um governo imposto, autoritário,
invasor e também corrupto, mas nem por isso menos responsável diante de Deus.
A violência, conseqüência do pecado, está assim diretamente ligada à omissão dos
governos e das autoridades. Ela cresce na medida em que cresce a impunidade e o
desrespeito ao homem como criatura de Deus, criada à sua imagem. Quanto mais o
estado age como ministro de justiça da parte de Deus mais decrescerá a
violência. Por outro lado, a sua parcialidade com os mais ricos, protegendo o
acúmulo de riquezas angariadas indevidamente, aprofundará os abismos e carências
sociais, gerando mais e mais problemas criminais. A sua visão atenuada da
criminalidade, na busca de explicações sociais, encorajará mais e mais violência
na terra. É necessário, como indivíduos tementes a Deus, que tenhamos a visão
clara de que a principal função dos nossos governantes é exatamente a promoção
da paz social, com a visão aguçada do bem e do mal, nos termos expressos pelas
Escrituras. Tudo o mais em que se envolvem deveria ser secundário a esse dever
bíblico principal para com os seus cidadãos. Devemos constantemente relembrar
isso aos nossos governantes.
4. Qual o comportamento do Crente em uma era de violência?
Mesmo a violência sendo algo que acompanha os passos da humanidade submersa em
pecado, é realidade que vivemos em uma era violenta, em um país violento. Como
crentes, devemos relembrar os seguintes pontos:
1. Se somos vítimas de violência. Podemos ser vítimas de violência, como vimos
nos exemplos mencionados na introdução, ou como já pode ter sido a sua
experiência. Pode ser que você esteja agora sendo vítima de violência doméstica
e ninguém sabe disso. Lembre-se que Deus reina soberanamente e ele tem um
propósito para tudo, mesmo que não entendamos o que está ocorrendo, em um
determinado ponto de nossas vidas. Se o irmão ou irmã está sendo vítima de
violência, no temor do Senhor e em oração, procure a ajuda e aconselhamento em
sua Igreja, com o seu pastor, com um dos oficiais, com um irmão ou irmã amiga.
Saiba que Deus não lhe desampara (Sl 72.13-14). Se você já foi vítima de
violência, ore para que possa agir como o apóstolo Paulo, quando escreveu em 1
Co 1.4, “É Ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos
consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós
mesmos somos contemplados por Deus”. Peça a Deus que lhe console e que lhe
conforte, mas vá além disso - ninguém entende mais o que uma outra pessoa, que
foi vítima de violência, está passando, do que você, que também já foi.
Aproxime-se, console-a também. Paulo continua, no v. 6: “Mas, se somos
atribulados, é para o vosso conforto”. Ore para que Deus lhe use bem como a sua
experiência tão adversa e devastadora para o bem do seu Reino.
2. Não confiar em nossas próprias forças. O Salmista, em uma era de guerras e
batalhas afirmava: “Não confio no meu arco e não é a minha espada que me salva”
(Salmo 44.6). A sua confiança estava no Senhor, e por isso ele continua:
“Levanta-te para socorrer-nos, e resgata-nos por amor da tua benignidade”. Que
Ele seja também a nossa confiança e fonte de poder.
3. Procurar Refúgio em Deus. O medo existe em meio à violência, mas Deus é maior
do que todos e ampara os seus. O Salmo 22 é um salmo messiânico profético que
retrata a violência que seria cometida contra o ungido de Deus, Cristo Jesus.
Mas ele é também o reflexo da experiência de David. Houve ocasiões de mêdo em
sua vida: “derramei-me como água e todos os meus ossos se desconjuntaram; meu
coração fez-se como cera, derreteu-se dentro de mim (v.14)”, mas a confiança no
livramento de Deus era constante: “Livra-me a minha alma da espada, e das presas
do cão a minha vida”(v. 20). Ele sabia que Deus ampara os seus: “Pois não
desprezou nem abominou a dor do aflito, nem ocultou dele o rosto, mas ouviu,
quando lhe gritou por socorro”. Em 2 Samuel 22.3 temos o registro de David
exclamando: “Ó Deus, da violência tu me salvas.” Não deve haver desespero,
portanto, na vida do crente. Oremos por coragem advinda de Deus e para que ele
remova o medo e a apreensão na presença de tanta violência.
4. Nunca ser violento. O crente não deve ser violento, mas deve ser conhecido
por sua mansidão e índole pacífica. Assim somos instruídos em Mateus 5.1-12, no
sermão da montanha, por nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos poder exclamar como
Jó (16.17): “… não haja violência nas minhas mãos, e seja pura a minha
oração”. Isso quer dizer também:
- Nunca exercer violência física no lar - Com isso não queremos dizer que a
disciplina, da parte dos pais, não deve existir, mas devemos discernir entre a
firme disciplina - mencionada em Pv. 10.13 e 24; 22.15; 23.13 e 14; 29.15 - e a
violência que é fruto da ira inconseqüente, como lemos em Pv. 9.18 - “Castiga a
teu filho enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo”).
- Nunca exercer violência psicológica no lar - assim somos exortados em Ef. 6.4
“E vós pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na
admoestação do Senhor.”
5. Apoiar a lei e a ordem - Devemos procurar encorajar o exercício da justiça de
Deus (Jr. 22.3) “Assim diz o Senhor: executai o direito e a justiça, e livrai o
oprimido da mão do opressor; não oprimais ao estrangeiro nem ao órfão, nem à
viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar”. Nunca
devemos deixar de orar por nossos governantes, para que eles sejam ministros
eficazes de Deus (1 Tm 2.1,2a).
6. Olhar para o alvo. Devemos almejar o ideal, expresso de forma precisa,
profeticamente, por Isaías (59:18) “Nunca mais se ouvirá de violência na tua
terra, de desolação ou ruína nos seus termos; mas aos teus muros chamarás
Salvação e às tuas portas Louvor”, sabendo que Deus nos resgatou do pecado
exatamente para que tenhamos esse tipo de paz, que é um prenúncio da paz eterna,
em Sua presença.
7. Pregar a palavra. Devemos ter o convencimento que a violência, sendo uma
conseqüência do afastamento de Deus e de seus princípios tem o seu remédio final
na conversão do pecador. Nisso podemos e devemos ser agentes contra a violência,
fazendo como o profeta Jonas, que, ordenado por Deus pregou em uma grande
cidade, com resultados espantosos para nós, mas nunca impossíveis para Deus. Em
Jonas 3.8 lemos: “… e clamarão fortemente a Deus; e se converterão, cada um,
do seu mau caminho, e da violência que há nas suas mãos”.
Autor: Presb. Solano Portela - Estudo disponível no site da Igreja Presbiteriana do Brasil